Textos e Pesquisas

Reflexões e pensamentos teóricos


Autor: Pablo Lisboa

Possui graduação em Design Gráfico - Bacharelado (2006) pela Universidade Federal de Pelotas, graduação em Artes Visuais - Licenciatura (2007) pela Universidade Federal de Pelotas, mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (2010), doutorado em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (2019). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás, onde coordena a Reitoria Digital, setor de assessoria de comunicação da Reitoria da UFG; e o Digital LAB, que produz tours 360º em museus e assemelhados, além de organizar seminários acadêmicos e workshops.





Os museus na era das tecnologias digitais


Na contemporaneidade, a ontologia dos museus sofre mudanças indeléveis que são impulsionadas pela presença lastreada das tecnologias digitais. Um legado de pensamento sistêmico reverbera, para além dos dispositivos tecnológicos, também no modo de pensar dos museus. Hoje, a condição pós moderna dos museus faz com que coexistam as mais variadas temáticas, coleções e ambientes, mas nada disso estabelece democracia e justiça em um cenário de ausências, silêncios e omissões para com a diversidade das sociedades.

O museu contemporâneo guarda consigo a capacidade de produção de sentidos, e por conseguinte, o qualifica enquanto uma máquina de criação de narrativas. Neste contexto, o conceito de Fato Museal, que emerge da relação do homem com um objeto em um cenário (GUARNIERI, 1981), sofre uma mudança interpretativa, passando a ser concebido a partir da relação da sociedade com o patrimônio em um território. Cada vez mais incluídas nos processos de musealização de salvaguarda e comunicação, as tecnologias digitais que geram impactos psíquicos, sociais e culturais, afetam profundamente a condição do sujeito, do objeto e do cenário, exigindo negociações conceituais no âmbito da museologia que vão reverberar no cotidiano prático dos museus e estabelecer a complexidade como a sua natureza ontológica mais atual.

Obras de arte tecnológicas armazenadas e conservadas em nuvens, exposições inteligentes que criam ambientes imersivos interativos, digitalização em VR de acervos tecnológicos que rompem as fronteiras das edificações museais e tornam públicas as imagens de obras de arte consagradas, interfaces interativas que mediam o artefato cultural analógico lhe conferindo novas camadas de sensibilidade e toda sorte de uso de dispositivos tecnológicos na museografia das instituições, pressionam os conceitos tradicionais da museologia para negociações teóricas. Tudo isso agrega elementos inovadores de maneira a ampliar o campo da investigação acadêmica e científica museológica em direção ao mundo tecnológico contemporâneo que se apresenta de maneira complexa e não determinista.

Em sua generalidade, as experiências proporcionadas pelos museus de hoje estão tangenciadas pela presença contundente e diversificada de instrumentos tecnológicos, agregando tons e sabores à memória social no âmbito do patrimônio cultural, e temos acompanhado o aumento e a consolidação do uso das tecnologias digitais no dia-­a-dia das sociedades naquilo que se convencionou chamar de cibercultura.

Este fenômeno sociocultural pulula nos museus ferramentas interativas, potencializa a comunicação e divulgação de coleções, digitaliza e transporta para a internet ambientes virtuais que recuperam patrimônios culturais esquecidos. Com isso, a missão institucional dos museus se vê pressionada a abarcar essas novas realidades para conseguir gerir seus conteúdos e atingir seus objetivos. Por seu turno, a museologia, que tem em seu escopo a teorização e reflexão acerca do campo de atuação dos museus, precisa confrontar conceitos, noções, categorias de análise, instrumentos e métodos de pesquisa, tomando por base os consagrados paradigmas, mas com atenção aos fenômenos que se apresentam a partir do advento das tecnologias digitais.

De imediato, podemos fazer uma constatação irremediável: as tecnologias digitais não só estão sendo decisivas no rumo da ação dos museus, mas, também, ao que tudo indica, prosseguirá escorrendo no corpo dos museus e se tramando com patrimônio cultural de maneira geral.

Analisando o contexto dos museus, é visível que ao longo dos séculos 20 e 21, tivemos ondas de tecnologia que foram sendo incorporadas a estes espaços. Na arte, essas tecnologias tiveram sua entrada através de dispositivos contextuais e de canais de divulgação das instituições e de exposições, através de totens de informação, panfletos digitais, websites, entre outros. Aos poucos, foram sendo agregados dispositivos complementares que auxiliaram na leitura e fruição das obras, induzindo interpretações que potencializaram as ações pedagógicas, dando ênfase para a educação patrimonial. Com as práticas sociais permeadas pela cibernética, vimos o uso generalizado de dispositivos tecnológicos que, por conseguinte, foram introduzidos nas mediações entre sujeito e patrimônio cultural, seja a partir de propostas institucionais, ou surgindo naturalmente com a participação dos públicos nas redes sociais através de publicação e interpretações dos conteúdos museais.

Em uma visada sobre o campo da arte tecnológica, veremos que Oliver Grau (2014) e outros autores têm sido enfáticos em criticar os “silêncios” das tecnologias digitais nos principais museus de arte contemporânea do mundo. Estas “ausências” são a expressão de um contexto complexo. Desde a relação estabelecida entre o campo da arte e a sociedade de mercado, a arte passou a ser um produto comercial importante para o sistema capitalista. As inovações introduzidas nos objetos artísticos ou até mesmo a superação da materialidade da obra de arte, que a arte tecnológica apresenta, resultam em um produto que ainda não é passível de uma comercialização ao nível das capacidades mercadológicas das tradicionais pinturas e esculturas.

A objetualidade material está sendo confrontada, incrementada, engendrada, articulada e muitas vezes superada pela digitalidade. Neste contexto, um dos desafios do museu na sua era tecnológica é o de estar conectado de maneira generalizada nas redes cibernéticas e nas nuvens informáticas, sem aniquilamento das questões materiais não-digitais. A informatização de todos os objetos das coleções coloca em prática a Internet das Coisas, possibilitando comunicação em tempo real, mas isso não pode ser encarado como uma norma dos museus na era tecnológica. A complexidade é a única questão permanente no Museu contemporâneo.

A objetualidade como pilar do estatuto exclusivo dos museus está sendo superada pela adição de uma camada de tecnologia digital que interfere no trato museal dos artefatos patrimoniais de maneira geral. A cadeia operatória museológica é afetada em sua totalidade com modificações no que se refere aos instrumentos e estratégias de salvaguarda e comunicação de acervos, interfere na informação em torno dos conteúdos dos museus e muda drasticamente os processos de documentação e registro, que com as redes sociais, agora pode também ser realizado pelos públicos, naquilo que chamamos de documentação de contexto.

Dawson & Edmundson (2018) consideraram o museu enquanto uma sub­rede de coisas, não necessariamente localizadas apenas em um ponto específico. “A Internet das coisas não é apenas uma revolução tecnológica, representa uma mudança histórica na forma como gerenciamos e interagimos com uma infinidade de objetos e ambientes em nossa vida cotidiana” (DAWSON & EDMUNDSON, 2018, online). Logo, os museus sofrem a influência dessa mudança gerencial, tendo que estabelecer equipes para o trato com os aparatos tecnológicos indispensáveis à concretização dos objetivos tecnológicos do museu

Com isso, não se pode dizer que os objetos estão em vias de extinção, mas, sim, que o aparelho museal não mais dependerá dos objetos para realizar suas ações e cumprir sua missão. A cultura material, igualmente, não deixará de existir, contudo, o mundo baseado em dados, mídias e pessoas dispensará a exclusividade da materialidade. O museu como o conhecemos dará lugar a um conjunto de articulações que cumpram o mesmo expediente que os museus físicos cumprem hoje, mas de maneira complexa. Para isso, a capacidade gerencial das sub-­redes de coisas (DAWSON & EDMUNDSON, 2018) de um museu definirá o resultado do museu na era tecnológica que segue, antes de tudo, uma lógica sistêmica, bem como é a internet.



Referências


DAWSON, Brian; EDMUNDSON, Darran. "Building a smart museum: Tackling in-gallery challenges with digital experience at scale." IN: MW18: Museums and the Web 2018. Publicado em: 16 de março de 2018.

GRAU, Oliver. Arquivo 2.0 ­ O impacto da artemídia e a necessidade das humanidades digitais. In: BEIGUELMAN, Giselle; MAGALHÃES, Ana Gonçalves. Simpósio Futuros possíveis:  arte, museus e arquivos digitais. São Paulo: Editora Peirópolis, 2014, p. 90­-114

GUARNIERI, Waldisa Russio. “Topic for Analysis: interdisciplinarity in Museology“. In: MuWoP: Museological Working Papers = DoTraM: Documents de Travail en Muséologie. Interdisciplinarity in Museology, Stockholm, ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM, Museum of National Antiquities, v. 2, p. 56-­57, 1981.





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